
1. Introdução
A crescente judicialização das relações empresariais no Brasil, aliada ao fortalecimento dos mecanismos de responsabilização civil e à consolidação da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), exige dos operadores jurídicos uma reconfiguração dos instrumentos contratuais, inclusive na esfera privada. Embora tal legislação tenha como foco os atos lesivos contra a Administração Pública, seus reflexos — notadamente no que se refere à responsabilidade objetiva e solidária de empresas do mesmo grupo econômico — transcendem o setor público e impõem cuidados redobrados nas relações entre particulares.
Nesse contexto, a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp 2.209.077/RS), reafirmando a responsabilidade solidária de empresas coligadas, controladoras e consorciadas, independentemente de reestruturações societárias ou comprovação de benefício direto, inaugura um novo patamar de risco jurídico que deve ser mitigado mediante cláusulas contratuais específicas — mesmo em contratos firmados exclusivamente entre entes privados.
2. A Lei Anticorrupção e sua Expansão Interpretativa
A Lei nº 12.846/2013 estabelece, em seu art. 4º, §2º:
Tradicionalmente, a doutrina interpretava esse dispositivo como voltado aos contratos administrativos e licitações. No entanto, o STJ, ao julgar o REsp 2.209.077/RS em 2025, conferiu interpretação ampliativa ao texto legal, reconhecendo a responsabilidade solidária com base na mera vinculação empresarial, mesmo na ausência de reestruturação societária ou controle direto.
Essa interpretação reforça o caráter objetivo da responsabilidade prevista na Lei Anticorrupção, aproximando-a dos princípios da prevenção e do risco empresarial. A consequência prática é que empresas privadas, ainda que não envolvidas com o setor público, passam a estar sujeitas a efeitos reflexos dessas interpretações, sobretudo quando compartilham estruturas, dirigentes ou operações com outras empresas que mantenham relações com o Estado.
3. Aplicabilidade em Contratos entre Particulares
Diante desse novo entendimento jurisprudencial, é imperativo que as empresas adotem cláusulas anticorrupção e de responsabilidade solidária também em contratos celebrados exclusivamente entre particulares. Tais cláusulas cumprem três funções essenciais:
4. Recomendações Práticas para Redação Contratual
A partir da jurisprudência citada e da prática empresarial contemporânea, recomenda-se a inclusão das seguintes cláusulas em contratos privados:
Tais cláusulas devem vir acompanhadas, quando possível, do Código de Conduta ou Programa de Compliance da empresa, com ciência e adesão da contraparte.
5. Conclusão
A aplicação de cláusulas anticorrupção em contratos entre particulares constitui medida preventiva e estratégica, em consonância com o novo perfil de risco decorrente da interpretação ampliativa conferida pelo STJ ao art. 4º, §2º da Lei Anticorrupção. Em um cenário no qual a responsabilidade objetiva e solidária se estende por toda a cadeia empresarial, a estruturação contratual passa a exercer papel central na proteção jurídica de empresas e grupos econômicos.
O advogado, nesse contexto, deixa de ser mero redator de instrumentos contratuais e assume o papel de gestor jurídico de riscos, integrando os pilares da governança corporativa à prática contratual cotidiana.
6. Referências